A Lei que pegou Lula e a teoria do Direito aplicada ao caso


O presente artigo veio depois que o jurista e aluno de doutorado na Universidade de Munique, Alaor Leite, arvorou-se a dizer que ao julgar Lula, o Tribunal Federal teria usado a Teoria do Domínio do Fato, o que segundo ele a “Teoria do domínio do fato não vale para corrupção” (Confira).

Segundo o advogado e pesquisador, Alexandre Luis Akabochi, para a Teoria do Domínio do Fato, “autor é aquele que detém o controle da situação, quem decide se o crime vai ou não ocorrer. Portanto, o autor seria aquele que dá o comando, que tem o poder de impedir ou de modificar como a conduta será realizada. Não obstante, o executor continua a ser considerado autor. Então, na hipótese em que houver um mandante por de trás de uma conduta a ser praticada por um terceiro, ambos serão considerados autores, ou melhor, coautores”.

TEORIA DO DOMINÍNIO DO FATO NA LEI

Ousando discordar do nobre doutorando na Universidade de Munique, trago à lume a Lei Federal nº Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. Esta norma veio após a constatação de que as investigações de organizações criminosas sempre resultaram apenas na prisão de “funcionários” da ORCRIM. Os “chefes” e os “gerentes” da organização criminosa nunca eram punidos em razão das teorias do crime adotadas no Brasil, segundo as quais a culpa e a pena maior recaem no executor do crime e não em quem decide se ele vai ocorrer ou não. Em tese era assim.

A citada Lei dá respaldo a utilização da Teoria do Domínio do Fato para combater as organizações criminosas, lesivas à sociedade e ao patrimônio público. São nítidos os traços de utilização dessa teoria no julgamento do Lula e da quadrilha que comandava. 

A Lei 12.850/2013 define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Dentre os meios de obtenção de provas, a lei das organizações criminosas cita a colaboração premiada (delação premiada).

Sobre o alcance desta lei nos crimes que vinha sendo praticados por Lula ou quaisquer outros, temos o seguinte:

“Conduta permanente, iniciada antes do dia 19.09.13, que continua sendo executada a partir desta data (“integrar” organização criminosa, por exemplo), passa a ser regida pela nova lei. Em outras palavras, o crime organizado permanente não esgotado, mesmo iniciado antes do novo texto legal, se prossegue em ação na data da nova lei, passa a ser regida por esta” (Luiz Flávio Gomes. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo).

TEORIA DO DOMINÍNIO DO FATO NA DOUTRINA JURÍDICA

Vários mestres do Direito que apoiam a Teoria do Domínio do Fato, com Mirabete (2010, p. 216), Heleno Fragoso (1985), Cezar Roberto Bitencourt (2011, p. 488), Rogério Sanchez (2013, p. 348), Damásio de Jesus e HanzWelzel . Todos citados por Alexandre Luis Akabochi em seu estudo das teorias adotadas sobre a autoria no Direito Penal.

Esses autores, em síntese, concordam que aquele que tem o domínio do fato é tão mais culpado do que o que executa. Para eles, o poder de decisão sobre a realização do fato é na verdade do autor. Pois este detém o controle subjetivo do fato e atua no exercício desse controle.

Rogério Sanchez (2013, p. 348) sintetiza a ideia sobre quem são as pessoas que teriam o domínio do fato:

(i) aquele que, por sua vontade, executa o núcleo do tipo (autor propriamente dito).

(ii) aquele que planeja a empreitada criminosa para ser executada por outras pessoas (autor intelectual).

(iii) aquele que se vale de um não culpável ou de pessoa que atua sem dolo ou culpa para executar o tipo, utilizada como seu instrumento (autor mediato).

Pois bem, no caso do tríplex do Guarujá, Lula tinha o controle do fato (domínio do fato). E a dinâmica do crime se deu da seguinte forma:

1 – Lula Indicava os nomes dos Diretores ao Conselho de Administração da Petrobrás e era atendido;

2 – Os diretores indicados (já orientados) cuidavam de atender o conglomerado de empresas que abasteciam os cofres do PT e de aliados com o pagamento de propinas.

3 – No Caso da OAS, a parte de Lula veio na forma do Triplex do Guarujá.

O esquema parece simples, mas a formatação que Lula e seus comandados fizeram para não deixarem pistas é bastante complexa. Sem um chefe não há crime de organização criminosa.

TEORIA DO DOMINÍNIO DO FATO NA JURISPRUDÊNCIA

Akabochi cita que a jurisprudência pátria a teoria do domínio do fato já foi utilizado inúmeras vezes.

NOS TRIBUNAIS DE 2ª INSTÂNCIA

No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a teoria do domínio do fato foi utilizada de maneira bem enfática na apelação criminal nº 721.997-2, que teve origem na 2ª Vara Criminal de Cascavel.

Neste julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná entendeu que seria adequada a aplicação da aludida teoria por melhor expressar o conteúdo da palavra justiça. 

O Tribunal Regional Federal também já aplicou a presente teoria, no processo ACR 7209 SC 0000505-36.2006.404.7209, julgado em 2011, senão vejamos:

“A autoria do crime de apropriação indébita previdenciária é atribuída àqueles que, à época dos fatos, participavam da administração do empreendimento, em consonância com a teoria do domínio do fato, pela qual se considera autor quem tem o controle final da ação e decide sobre a prática, circunstâncias e interrupção do crime”.

Traremos um julgado, assim, do TRF-2, na Apelação Criminal nº 200351015050906 RJ 2003.51.01.505090-6, julgado em 2010:

“O autor do fato não é apenas aquele que executa atos materiais, mas também aquele que detém o controle finalístico sobre o prosseguimento, interrupção ou consumação do evento (teoria do domínio do fato)”.

Em agosto de 2011, o Tribunal de Justiça do Estado do Amapá também lançou mão da Teoria do Domínio do Fato na Apelação : APL 84105520018030001 AP:

“As circunstâncias dos crimes demonstram a formação de quadrilha e a condição do apelante como integrante deste e co-autor do delito de estelionato, porquanto responsável pela subtração e fornecimento dos cheques e cartões de créditos utilizados na prática criminosa, sendo de nenhuma importância que não tenha executado diretamente o verbo do núcleo do crime de estelionato, pois a luz da teoria do domínio do fato também é autor aquele que realiza uma parte necessária do plano criminoso”.

Akabochi assevera ainda, que em virtude da grande expectativa que tem a sociedade em condenar os verdadeiros responsáveis pelos crimes mais perigosos, os Tribunais vêm aplicando a referida teoria com o intuito de dar uma resposta para os criminosos.

NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 

O órgão máximo de nossa estrutura judiciária também aplicou a referida teoria em um dos casos mais emblemáticos julgados nos últimos tempos, a Ação Penal nº 470, denominado como “Mensalão”.

No site do Consultor Jurídico, consta uma explicação sobre o tema AP470 e Teoria do Domínio do Fato:

Além da Ação Penal 470, o STF já teve oportunidade de se manifestar a respeito da aplicação da Teoria do Domínio do Fato outras vezes, no HC nº 250.914/ES:

“2) Acusado que, valendo-se da função de Secretário de Serviços Urbanos do Município, determinou a realização de ‘gatos’, mesmo afirmando que agiu no intuito de ajudar pessoas carentes, acabou incidindo na conduta prevista no art.155, § 3º,configurando furto de energia elétrica". 

"3) A denominada teoria do domínio do fato estabelece que o autor nos crimes dolosos é aquele que detém o domínio funcional do fato. É aquele que possui condições de determinar, no caso concreto, o desenrolar fático que acompanha o delito, esta teoria amolda-se com perfeição ao caso em tela, pois foi o apelante quem, na condição de detentor de parcela do poder político naquela localidade, determinava a realização de ligações clandestinas de energia elétrica”. 

Como podemos constatar os tribunais já vêm há algum tempo aplicando o Domínio do Fato e sendo ratificados pelo Supremo Tribunal Federal.

E Lula que se cuide.

Fonte: https://www.jurisway.org.br/

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