Pesquisadora espanhola diz que há solução para a indisciplina, o bullying, a intolerância, a violência na Escola.

Da Revista de Educação Nova Escola
                                                                  TEXTO
  • PAULA TAKADA
     
 EDIÇÃO ANA LIGIA SCACHETTI

Indisciplina, bullying, intolerância, violência. Tudo isso é bastante incômodo e ao mesmo tempo familiar para quem atua na Educação. É possível evitar? Para a pesquisadora espanhola María José Díaz-Aguado, sim. Os resultados de mais de 35 anos de investigações em instituições da Espanha justificam o otimismo dela. As soluções se baseiam no princípio de que é necessário transformar a cultura de domínio e submissão que caracteriza as relações interpessoais nas escolas e que são um reflexo da sociedade.
Em agosto, Díaz-Aguado esteve no Brasil para uma conferência no seminário internacional A Convivência Ética na Escola, organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem). Durante o evento, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela lançou o livro Da Violência Escolar à Cooperação em Sala de Aula(440 págs., Ed. Adonis, tel. 19/3471-5608, 110 reais) e concedeu esta entrevista.
Como prevenir o bullying? 
MARÍA JOSÉ DÍAZ-AGUADO São necessários cinco tipos de ação: promover uma mudança cultural, conhecer as relações entre os alunos e transformá-las, ajudar as crianças e os adolescentes a construir uma identidade não violenta, implantar uma disciplina eficaz e apoiar as vítimas. 
Por que a mudança cultural é necessária? 
Porque o bullying não é algo inventado pelas crianças. Ele é uma das expressões mais graves e duras de um modelo cultural calcado nos papéis de dominador e submisso. Os praticantes de bullying se apropriam profundamente disso e levam ao extremo. Temos de buscar um padrão diferente, baseado nos valores da democracia, que são o respeito aos direitos humanos e ao outro, a igualdade, a liberdade e a fraternidade.
Quem pode promover essas ações? 
A escola deve envolver os professores e as famílias. Precisamos convencê-los de que têm a responsabilidade e a possibilidade de transformar esta cultura para erradicar o bullying. Não podemos deixar esse peso apenas para os alunos. Aos educadores, essa mudança interessa profundamente porque vai resolver um dos grandes problemas deles, que é a conduta daqueles estudantes desafiantes que não os deixam dar aula e usam até a violência contra os docentes. 
E quanto às famílias? 
Envolvê-las é imprescindível. A escola tem de transmitir a todos que não pode haver violência. Há um velho ditado espanhol "Si te pegan, pega!" (algo equivalente a "Se apanhar, dê o troco") que justifica a reação. Ao aceitar esse comportamento, entra-se em contradição com os valores democráticos. Uma abordagem diferente não é impossível. Nem sequer, muito difícil. No início do ano letivo, pode-se explicar o projeto da instituição, ajudar os pais a entender o que se passa e perceber que não se ensina a não ser violento usando a violência contra as crianças. Não se pode ensinar a não bater, batendo. Comprovamos, em nossas investigações, que com um programa de três sessões de duas horas, os familiares acabam se comprometendo. É preciso fazê-los entender que isso interessa a eles e mostrar que não estão sendo chamados para ouvir que são pais ruins, e sim que precisam ajudar a escola a buscar soluções para um problema compartilhado.
Como os educadores podem intervir nas relações dos estudantes? 
Em primeiro lugar, eles têm de conhecer como é a estrutura de cada uma das turmas que existem e saber como se dão as distintas relações entre as crianças e os adolescentes. Geralmente, isso não é enxergado. Não se tem o costume de observar os alunos no intervalo, por exemplo. Na Espanha, usamos  questionários em que os estudantes respondem com quem gostam de estar, quem são os companheiros que consideram mais sozinhos e outras informações dessa natureza. Com a ajuda de um orientador, os professores interpretam os dados. Eles se comovem muito quando descobrem quem são as crianças que estão sofrendo bullying ou que correm risco de sofrê-lo, pois não têm amigos. Notam também que há líderes positivos, pró-sociais, que podem ajudar a integrar os mais isolados. E líderes negativos, antissociais, que ganham poder empregando a violência. 
O que fazer depois de ter um diagnóstico preciso das relações entre os alunos? 
Temos de impedir que os alunos consigam poder e protagonismo por meio da violência, ajudando-os a conquistar isso de outras maneiras. A intervenção pode ser feita por meio da aprendizagem cooperativa. Essa é uma prática muito potente e pressupõe o trabalho com grupos heterogêneos, algo que só é feito se os professores conhecerem a fundo a estrutura de relações da turma. Quando detectam estudantes que estão sofrendo bullying, precisam agrupá-los em equipes com líderes positivos que vão se tornar seus amigos e darão apoio. E isso deve acontecer em todas as aulas, não só nas tutorias ou assembleias. 
De que maneira se colabora para a construção de uma identidade não violenta? 
Temos de ajudar as crianças e os adolescentes a rechaçar a violência. É necessário impedir que dentro do que nos permitimos fazer esteja o uso dela. No lugar disso, os estudantes precisam estar dispostos a lutar (pacificamente) pela paz. Mahatma Gandhi (1869-1948) dizia que não há um caminho para fazer a paz, ela é o próprio caminho. Não pode haver contradição entre o fim e o meio. E para isso são muito importantes as assembleias de classe e o que se chama de currículo da não violência. Desde a Educação Infantil até a universidade, deve-se proporcionar oportunidades para refletir e para ajudar a construir um compromisso muito ativo de que em sua vida não cabe esse comportamento e que você vai lutar contra ele porque isso interessa profundamente a você.
Entre as ações de prevenção, você também citou a disciplina eficaz. O que a caracteriza?  
A escola está muito disposta a castigar os alunos, porém, com muita frequência, esse castigo é só uma reação. A maioria das ações consiste em propostas pouco eficazes, como mandar copiar algo ou expulsar o estudante. Nada disso faz com que o punido mude de atitude. É preciso ter algo mais para que a violência não fique impune. Isso deve ficar muito claro, porque caso contrário gera novos atos semelhantes. Para que a sanção ajude de fato, ela deve colaborar para que aquele que se comporta mal realize mudanças cognitiva (entenda seu erro), emocional (se arrependa) e de conduta (repare os danos). Constatamos que as instituições que castigam mais, castigam pior, porque não têm tempo para aprimorar essas práticas.
Por que o apoio às vítimas também colabora  com a prevenção?  
Porque a violência pode produzir sequelas e há o risco de a vítima se converter em agressor. Isso costuma acontecer em um de cada três casos. Mesmo entre os demais, ninguém sai ileso.
No Brasil, há escolas inseridas em espaços muito violentos, com leis próprias, baseadas no medo e no silêncio. É possível mudar a cultura em contextos como esses?  
Sim. Convertê-los em ambientes cooperativos é um processo complexo porque a violência está arraigada. Porém, há lugares que conseguiram. Na Colômbia, por exemplo, Medelín passou, em um tempo recorde, de uma cultura profunda de violência a uma que a rechaça e isso foi conseguido por meio da Educação. 
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