O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) protocolizou nesta
segunda-feira (17/6) um pedido para que o Ministério Público estadual instaure
Inquérito Civil Público para apurar a violência policial durante os protestos
que estão acontecendo em São Paulo. A petição foi distribuida ao promotor
Silvio Marques.
No documento, o advogado Ricardo
Sayeg, presidente da Comissão de Direitos Humanos do Iasp, pede
a instauração do inquérito para apurar a improbidade administrativa na ação
policial e as responsabilidades de atos articulados de vandalismo. Além disso,
Sayeg pede que seja ajuizada Ação Civil Pública para reparação dos danos morais
coletivos e materiais.
Sayeg explica que tanto o direito à
manifestação popular quanto à ordem pública são garantidas na democracia. E
deve a autoridade policial, durante estas manifestações, observar os limites
necessários para assegurar a ordem pública e a propriedade pública e privada.
Porém, observa que em São Paulo estes limites estão sendo ultrapassados.
“O fato de que jornalistas foram
vitimados pela ação policial por conta de estarem acompanhando os atos como
meros observadores, profissionalmente, sem qualquer participação ativa,
inclusive, um deles alvejado no rosto por um disparo de bala de borracha, é
indício bastante de que a ação policial ao legitimamente acompanhar as
referidas manifestações populares, além de deflagrar disparos a esmo, não
observou os limites estritamente necessários a assegurar a ordem pública e a
propriedade pública e privada”, argumenta o Iasp no pedido.
De acordo com o Iasp, para ambos os
lados, a legalidade cessa onde o abuso começa, “consubstanciando violação aos
Direitos Humanos das pessoas indevidamente atingidas, o que é ilegal”. No
pedido, Sayeg cita ainda o artigo 10º da Declaração Universal de Direitos do
Homem e do Cidadão: “Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo
opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública
estabelecida pela lei”.
"O Estado é o último que pode perder a cabeça”, diz MTB
O criminalista Márcio Thomaz
Bastos divulgou, nesta segunda-feira (17/6), uma carta aberta assinada
em conjunto com os advogados Luiz Armando Badin e Maíra
Beauchamp Salomi sobre as prisões de manifestantes durante os recentes
protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo e em outras
capitais.
Na carta, o criminalista e seus
colegas observam que o papel das autoridades e agentes de segurança é
justamente zelar pelo exercício da manifestação pública. Os advogados lembram
ainda que apenas a polícia pode fazer uso da violência, mas que, mesmo assim,
somente de “maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das
autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade”.
Para os advogados, os agentes do
Estado tem o ônus de jamais poder ceder ao destempero ou irromper com ações
irracionais, pelo contrário, em meio ao caos, são os primeiros que devem dar o
exemplo.
“O comportamento arbitrário de alguns
policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição,
é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que
respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu
próprio destino”, diz trecho da carta aberta.
Leia abaixo a íntegra da mensagem:
"O Estado é o último que pode
perder a cabeça”
As autoridades de segurança pública
têm a responsabilidade de proteger o exercício do direito constitucional de
manifestação pacífica. A sociedade se organiza politicamente em torno do Estado
para realizar a Constituição, não para negar os seus pressupostos mais
fundamentais. Todos os cidadãos têm a liberdade de se reunir para manifestar
politicamente as suas reivindicações (artigo 5º, inciso XVI)1.
Cumprindo o seu dever de informar, a
imprensa noticiou amplamente que, nos protestos populares da semana passada,
alguns policiais teriam se excedido no uso da força, realizando prisões
arbitrárias e agredindo manifestantes e jornalistas que simplesmente
exercitavam os seus direitos fundamentais: aqueles de expressar as suas ideias
políticas, estes de manter a sociedade informada sobre elas.
Uma conduta só pode ser considerada
criminosa se for descrita numa lei (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição).
Ninguém pode ser preso se não estiver cometendo um crime (art. 5º, LXI)2. Ao
que se saiba, não há nenhuma lei que proíba o “porte de vinagre” e o “uso de
máscaras”, sobretudo quando se trata de proteger a própria integridade física.
As autoridades policiais estaduais
não podem compactuar com detenções arbitrárias. Devem se ater, exclusivamente,
aos casos de excessos individuais. É oportuno recordar que, quando o povo
brasileiro saia às ruas para reconquistar o direito de eleger os seus próprios
governantes, roubado pela ditadura, alguns manifestantes eram marcados com
tinta, para serem “averiguados” e detidos mais adiante.
Isso não pode voltar a acontecer.
Bem ao contrário. Hoje, proibido é
abusar da violência (art. 129 do Código Penal), por uma razão muito simples. Só
a polícia pode empregá-la, desde que de maneira legítima, proporcional e
ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal
responsabilidade.
Caso elas falhem, sempre se pode
pedir o amparo do Poder Judiciário, por meio do habeas corpus. Ele existe na
Constituição justamente para assegurar a livre circulação dos brasileiros e
para protegê-los contra todas as formas de excesso de poder.
Além de tecnicamente cabível, é
correta a iniciativa dos estudantes, organizados em torno de seus centros
acadêmicos, de impetrar medida judicial para prevenir que novos abusos e
violências voltem a acontecer.
É óbvio que o texto da Constituição
já assegura ampla proteção aos cidadãos, em novas manifestações pacíficas. Os
fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados.
Quando há razões concretas para temer, a Justiça não pode se omitir na
contenção da brutalidade.
O comportamento arbitrário de alguns
policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição,
é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que
respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu
próprio destino. Delas se espera que estejam preparadas para enfrentar
situações de tensão, por meio de treinamento adequado.
O Estado é o último que pode perder a
cabeça."
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, LUIZ ARMANDO
BADIN e MAÍRA BEAUCHAMP SALOMI são advogados que trabalham na cidade de São
Paulo
1 “Artigo 5º, inciso XVI - todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente”.
2 Art. 5º LXI: “ninguém será preso,
senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente” (…).
Fonte: CONJUR